Você sabe o que é o Transtorno do Espectro Autista?
- vtalitapsi2
- 9 de mai. de 2024
- 6 min de leitura

Entenda como identificar e que caminho percorrer no diagnóstico e tratamento
O mês de Abril é o mês de Conscientização Sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA), campanha iniciada em 2007 pela Organização Mundial da Saúde e intitulada como Abril Azul, tem por objetivo mobilizar instituições, meios de comunicação e sociedade em geral sobre a importância de se ter informações, discutir e conscientizar sobre o TEA. Quando fui convidada a produzir esse texto, parei por alguns instantes para pensar sobre o que seria importante trazer sobre o Transtorno do Espectro Autista, para que as pessoas compreendam melhor sobre o que é, como identificar e o mais importante, como respeitar e lidar com pessoas no Espectro.
Primeiramente, é importante esclarecer que, o TEA não é uma doença, não é transmissível, não começou a surgir nos últimos tempos, não é adquirida com o passar dos anos e ao contrário do que muitas pessoas de meia idade falam, sim, em suas épocas haviam pessoas com TEA, elas só não tinham diagnóstico ou tinham diagnósticos equivocados, não eram vistas e quando vistas, eram exclusas da sociedade, recolhidas em hospitais psiquiátricos, não eram compreendidas ou quem dera, amparadas em suas necessidades terapêuticas. O que ocorre é que hoje, com o avanço da ciência, das pesquisas e com o advento da internet, profissionais conseguem identificar os sinais e sintomas e pessoas tem mais acesso à informação, conseguindo encontrar semelhanças em si mesmas ou em seus filhos com sintomas do TEA, o que enseja na busca por diagnósticos.
Mas afinal, o que é o Transtorno do Espectro Autista? É um transtorno do neurodesenvolvimento, ou seja, acontece na formação da vida ainda intra-ulterina, tendo como predisposição: base genética ( de 97 a 99% dos casos) quando um ascendente carrega o gene, hereditária (aproximadamente 80% dos casos) quando um dos pais ou ambos carregam o gene, e por fatores de risco na gestação, como infecções, traumas, uso de drogas ( aproximadamente de 1 a 3% dos casos)[1]. Muitos pais de crianças com autismo buscam seus diagnósticos após receberem os diagnósticos de seus filhos.
O transtorno leva o nome de espectro pois carrega nuances sintomatológicas observáveis, mas que se divergem de indivíduo para indivíduo, o que nos faz compreender também que, não há um autista igual a outro, o que causa hipersensibilidade em um, pode ser objeto de regulação para outro, por exemplo. Para o diagnóstico do TEA, segundo o DSM-5 [2] é necessário reconhecer déficits na interação e comunicação social, atendendo a todos os critérios A., critérios B. padrões restritos e repetitivos de comportamento, atividades ou interesses, atendendo a pelomenos 2 critérios. No critério C. os sintomas devem estar presentes precocemente no período do desenvolvimento, porém eles podem não estar totalmente aparentes até que exista uma demanda social para que essas habilidades sejam exercidas. Critério D. os sintomas causam prejuízos clínicos significativos no funcionamento social, profissional e pessoal ou em outras áreas importantes da pessoa e os distúrbios não são bem explicados por deficiência cognitiva e intelectual ou pelo atraso global do desenvolvimento. O nível do TEA é identificado de acordo com a necessidade de suporte.
Os primeiros sinais de autismo podem ser percebidos logo nos primeiros anos de vida, com atrasos no desenvolvimento neuropsicomotor das crianças, com déficits desde a interação, limitação na reciprocidade emocional, fala e comunicação social, baixo interesse por pares, dificuldade na adaptação de comportamentos, dificuldade no compartilhamento de interesses, limitação no comportamento não verbal de comunicação, atrasos no desenvolvimento motor, hipotonia muscular, estereotipias motoras ou de fala, como balançar de mãos, mover o corpo para frente e para trás, reprodução de sons, repetição de palavras ou frases (ecolalia), a padrões restritos e repetitivos de comportamento, como enfileirar objetos, não dar função aos brinquedos ao brincar, dar preferência aos mesmos alimentos, ter uma adesão inflexível a rotinas, andar na ponta dos pés. A Hipersensibilidade sensorial pode aparecer com a percepção sensorial mais aflorada, podendo ser tátil, auditiva, visual, olfativa ou paliativa e no caso da hiposensibilidade, com a baixa sensorial, como a resistência a dores, por exemplo. Para o diagnóstico é necessária a avaliação profissional, falaremos sobre ela em breve.
Quando o TEA tem um nível 1 de suporte, pode ser que os sintomas só sejam melhor percebidos mais tarde, quando as demandas sociais de comportamento e interação se tornam mais evidentes, como a dificuldade em iniciar e compreender relações e os comportamentos se tornam socialmente muito diferentes e o suporte, que até então era esperado para a idade, começa a levantar alerta ou ainda por ficarem esgotados após situações sociais, terem dissociações do ambiente, como se estivessem “desligados” (Shutdown) ou reações de crise com dificuldades de controlar impulsos (Meltdown). É comum que adolescentes e adultos recebam o diagnóstico em comorbidade com depressão ou ansiedade, isso, devido ao fato de terem passado muito tempo se adaptando as situações ambientais, sociais e adequando comportamentos sem receberem o devido suporte terapêutico.
Você já pode ter ouvido falar da prevalência do diagnóstico de TEA em meninos, mas talvez não saiba o que faz meninas não terem tantos diagnósticos quanto os meninos. Bom, esse é um tema que vem sendo muito estudado nos últimos tempos, mas, uma hipótese em evidência é de que as meninas tem uma maior prevalência de neurônios espelho, responsáveis pela compreensão das ações, e intenções dos outros, possibilitando a identificação e imitação de comportamentos, o que permite que as meninas observem mais e reproduzam comportamentos socialmente esperados, fazendo assim o Masking (termo em inglês para se referir à mascaração), camuflando comportamentos, e por sua vez, dificultando o diagnóstico.
O diagnóstico pode e deve ser realizado no primeiro ano de vida, esse é o chamado diagnóstico precoce, e é muito importante para as terapias de estimulação aproveitarem o máximo da capacidade neural de crianças pequenas para a prendizagem e desenvolvimento de habilidades. Pois, por mais que a neuroplasticidade, que é a capacidade do cérebro de realizar novas sinapses (conexões) e com isso se adaptar e desenvolver a nível estrutural e funcional, aconteça durante toda a vida, na infância, essa capacidade é ainda maior, principalmente por anteceder períodos de poda neural, quando o cérebro abre mão de sinapses em detrimento de outras. Vale reforçar: sem dúvidas o diagnóstico precoce é importante, mas, independente da idade em que a suspeita ou diagnóstico aconteça, hoje ainda é tempo para tratamentos e melhor qualidade de vida.
Como o diagnóstico pode ser feito? É recomendado que busque por neuropediatras, neuropsicólogos ou psiquiatras que trabalham com avaliação de TEA para uma consulta, logo, o plano de avaliação será traçado. Como psicóloga e neuropsicóloga, vou explicar como se dá a avaliação neuropsicológica. Realizamos a entrevista de anamnese com os pais ou familiares que fazem ou fizeram parte dos primeiros anos de vida do avaliado, com o próprio avaliado e com pessoas que possam contribuir com informações sobre a vida atual (principalmente quando o avaliado é adulto ou adolescente), buscando compreender como se deu o desenvolvimento dele nos anos iniciais, perfil de comportamento, dificuldades existentes, sintomas presentes, em todos os âmbitos da vida, pessoal, escolar, social, acadêmica e laboral. Também é realizada a avaliação cognitiva e de personalidade, através de testes psicológicos padronizados que oferecerão informações importantes sobre o funcionamento mental do avaliado, aplicamos inventários e inquéritos específicos para as hipóteses diagnósticas em questão. Algo muito importante na avaliação neuropsicológica é o diagnóstico diferencial, que consiste em compreender a natureza dos sintomas e sua relação com diferentes possibilidades diagnósticas. Por ser um processo detalhado, a avaliação neuropsicológica é muito importante pois diminui consideravelmente diagnóstico errado, e a identificação de comorbidades (grande prevalência da associação com TDAH, TOD, TPS, Depressão, Ansiedade). Outro aspecto importante na avaliação neuropsicológica é fornecer informações preciosas para o plano de intervenção, pois não retratará apenas as dificuldades, mas também as potencialidades do avaliado, quer seja através da confirmação diagnóstica ou da identificação de atrasos, que precisam de intervenções.
Após realizada a avaliação são identificadas necessidades individuais para o tratamento podendo ser requisitados Psicólogo, Neuropsicólogo, Neuropediatra, Terapeuta Ocupacional, Fisioterapeuta, Fonoaudiólogo, Nutricionista, Psiquiatra, dentre outros profissionais. Em alguns casos são recomendadas terapias ABA ou a estimulação/habilitação neuropsicológica como a que realizo, com vistas a identificar as necessidades de trabalho de uma maneira sistematizada, elaborando um plano de intervenção individualizado, contando com a participação da família, compreendendo as estratégias de trabalho, com sessões de orientação aos pais e escola e análise de resultados para reestruturação do plano de intervenção.
Agora que você sabe mais sobre o Transtorno do Espectro Autista, pode se perguntar como fazer para ajudar. Tenho algumas sugestões: Não comparar pessoas no espectro, os sintomas podem ser bem diferentes em cada pessoa. O colar de identificação da pessoa autista é representado por quebra-cabeça, alguns podem fazer uso do colar com símbolo de girassol que também é utilizado para identificar deficiências ocultas, ao ver uma criança ou cuidador usando esses colares, não julgue o comportamento de um autista, ele pode estar em crise por sobrecarga de estímulos. Oferecer um ambiente tranquilo e sem muitas interferências para poder se regular. Compreender as diferenças existentes e que isso faz parte do convívio social, que autistas devem estar em todos os lugares que quiserem e que podem se desenvolver bem, só vão precisar de mais empatia e respeito. Conscientize outras pessoas sempre que puder, assim você ajuda muito.
Autora: Viviane Talita Silva - Psicóloga e Neuropsicóloga – CRP 07/41165
Especialista em Neuropsicologia Clínica: Avaliação e Reabilitação e em Psicologia Clínica.
Experiencia na avaliação diagnóstica e intervenção de crianças, adolescentes e adultos com Transtorno do Espectro Autista.
[1] Bai D, Yip BHK, Windham GC, et al. Association of Genetic and Environmental Factors With Autism in a 5-Country Cohort. JAMA Psychiatry. 2019;76(10):1035–1043. doi:10.1001/jamapsychiatry.2019.1411
[2] American Psychiatric Association (APA). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5..5 Porto Alegre: Artmed, 2014.


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